A ideia de margem implica na existência de um centro. Assim, tudo aquilo que não faz parte da centralidade é considerado externo, periférico. A divisão entre centro/margem, ou centro/periferia alcança não só a esfera arquitetônica, mas também a política, social e regional. Portanto, ao se falar de práticas profissionais nas margens da arquitetura, se fala também de práticas num campo multidisciplinar, pois consistem mais em uma busca pelo entendimento das questões a serem trabalhadas e menos em uma busca por responder a determinadas questões. Em culturas ou contextos marcados por descontinuidades e interrupções historiográficas, existe um esforço para definir a identidade, passando por um processo de auto-conhecimento e descobrimento para, por fim, chegar à elaboração de projetos para responder a demandas específicas. Por isso, a pesquisa e divulgação de conhecimentos, além de métodos alternativos de produção arquitetônica, são etapas importantes nesse processo.
Reunimos abaixo exemplos de redes de transmissão, grupos, coletivos e escritórios que representam diferentes práticas profissionais que se encontram às margens de uma suposta prática convencional da arquitetura. Esses exemplos buscam romper padrões pré-estabelecidos através do entendimento do papel da arquitetura em questões como decolonização, feminismo, homossexualismo e antirracismo; e de como esse entendimento pode desafiar as práticas hegemônicas e convenções disciplinares no campo arquitetônico através do estudo da complexidade social e local. Práticas que não necessariamente estão ligadas diretamente a projetos, mas sobretudo a pesquisas, métodos, experimentos, participação e divulgação das bordas profissionais, regionais e sociais.
Matri-Archi(tecture) (África do Sul)
O Matri-Archi(tecture) pretende fortalecer o empoderamento de mulheres africanas nas esferas do design e da escrita que não conseguem incorporar diversas identidades e visões. A rede é alimentada por conteúdos relacionados a práticas arquitetônicas e questões políticas e identitárias com o objetivo não só da inclusão da mulher africana, mas de todos que refletem o sentido africano de lugar e de ser.
FuturePlus (China)
A FuturePlus é uma academia informal que integra pesquisa, desenvolvimento, ensino e prática nas áreas urbanas e rurais da China. Associa pensamento crítico, design e pensamento sistemático para pesquisar o “urbanismo-rural” - método alternativo de construção e planejamento rural e urbano para melhorar sistematicamente a qualidade desses ambientes. O grupo é formado por estudantes, profissionais, governantes e entusiastas dispostos a sair da zona de conforto e empenhados em melhorar a qualidade do habitat.
Proyecto NN (Colômbia)
A entidade sem fins lucrativos atua desde 2011 em Medellín nos âmbitos da arquitetura, desenho e produção cultural, buscando propor posturas e ações críticas sobre as questões do espaço e da cidade. O trabalho multidisciplinar acontece através de conversas, ateliês, derivas, reuniões de vizinhos e encontros comunitários, formando uma rede de espaços coletivos em uma escala de bairro. Fazem parte do grupo arquitetos, desenhistas, comunicadores e cidadãos inquietos pela construção de circuitos colaborativos que os permitem experimentar os limites profissionais em função do espaço comum.
Terceira Margem (Brasil)
O coletivo trabalha de forma transdisciplinar para estruturar um "habitar com mais sentido". O objetivo é criar espaços aliados aos ocupantes através de uma metodologia colaborativa, organizada em oficinas, projetos e execuções. A “construção de demanda” acontece junto aos futuros habitantes, com uso de desenhos, maquetes e outras ferramentas, para que as propostas do escritório não sejam apenas reflexos de um modo de vida mais automático e funcionalista.
The Funambulist
A Funambulist é uma plataforma e revista que lida com a questão da política do espaço e dos corpos. O objetivo é estabelecer um espaço para que as vozes de ativistas/acadêmicos/praticantes possam se encontrar e construir redes através de diferentes escalas geográficas. O arquivo da revista é alimentado continuamente com artigos, entrevistas, obras de arte e projetos de design, como forma de fortalecer lutas anticoloniais, antirracistas, homossexuais e feministas. As revistas impressas e online são publicadas a cada dois meses e operam em paralelo com um podcast e um blog.
Anupama Kundoo (Índia)
Anupama Kundoo, fundadora do escritório de arquitetura indiano de mesmo nome, busca a execução de uma arquitetura de baixo impacto ambiental e adequada ao contexto socio-econômico através da investigação e experimentação de materiais. O trabalho se baseia em pesquisas que a arquiteta desenvolveu ao longo da carreira sobre urbanização rápida e materiais aplicados a projetos de design e planeamento urbano.
iR arquitectura (Argentina)
O coletivo formado em 2008 é composto por arquitetos, designers e entusiastas de diferentes áreas acadêmicas e disciplinares. A dinâmica do coletivo funciona como um sistema aberto, maleável e simbiótico; sua natureza multidisciplinar permite abordar a gestão integral do trabalho em diferentes escalas e perspectivas.
Al Borde (Equador)
O processo criativo-projetual do Al Borde se baseia na participação da comunidade em todas as fases de planeamento e construção, aliada à “exploração sistemática do contexto local”. Os membros acreditam que a força do projeto reside na autonomia subsequente dos seus utilizadores.
The W.H.Y. Project (África do Sul)
As siglas W.H.Y. retratam o pensamento do projeto para dar suporte a mulheres na arquitetura através do desenvolvimento de relações recíprocas de monitoria. As siglas significam “We hear you” (nós escutamos você), e esse é o objetivo da arquiteta Kirsty Ronne através da rede que promove debates, discussões, palestras e projetos em torno da temática da mulher no campo profissional da arquitetura.